Em reportagem especial, UNFPA alerta que demanda não atendida por contraceptivos atinge até 4,2 milhões de brasileiras em idade reprodutiva. Público jovem é o mais afetado: 20% das mães têm menos de 20 anos. Dessas, 40% abandonaram os estudos.

 

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O cenário foi agravado pela epidemia de zika e o surto de microcefalia. Profissionais do Instituto de Perinatologia da Bahia (IPERBA) queixam-se da falta de orientações sobre prevenção da transmissão do vírus por via sexual.
O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) considera que a gravidez não planejada na adolescência está associada a desigualdades mais amplas que afetam principalmente as mulheres dos estratos sociais mais vulneráveis.
Entre as causas, está a falta de acesso das meninas e adolescentes a bens e serviços que permitam que elas exerçam seus direitos sexuais e reprodutivos. Uma realidade que as retira precocemente das redes de ensino e diminui seu potencial de bem-estar na vida adulta. No Brasil, 20% das mães têm menos de 20 anos. Dessas, 40% abandonam a escola para abraçar a maternidade.
Zika e microcefalia são novos desafios
“Igor é tudo para mim!”, conta Joice dos Santos Silva. Aos 17 anos, a jovem é mãe em tempo integral. Em apenas seis meses, Igor mudou a vida dos pais e de toda a família para melhor. São uma família de amor que, afetada pela epidemia do vírus zika, luta pelo desenvolvimento saudável e feliz do mais novo.
“O Igor é um bebê com um quadro de microcefalia. A mãe relata ter tido o vírus zika durante a gestação. Ele tem um percentil microcefálico abaixo do esperado para a idade e uma alteração motora, a mãozinha dele ainda não consegue abrir, não consegue pegar os objetos”, explica a terapeuta ocupacional do Instituto de Perinatologia da Bahia (IPERBA), Márcia Santana.
Há 23 anos na instituição, a especialista destaca que o bebê “é uma criança com um futuro aberto, bem promissor”. “A relação dele com o pai é excelente! (…) Quando a família ajuda a criança tem uma evolução importante”, ressalta.
Por mês, o instituto onde a jovem é atendida realiza 400 partos. Em estudo recente, o IPERBA concluiu que o grau de conhecimento das jovens adolescentes sobre métodos de contracepção é muito baixo.
Das 100 adolescentes gestantes entrevistadas, 61,1% conheciam menos do que quatro métodos contraceptivos e menos de 30% conheciam os métodos contraceptivos de longa duração.
Incentivar o acompanhamento paterno da gravidez, desde as consultas durante o pré-natal, é um dos temas abordados pelas assistentes sociais que acompanham as mães a partir da primeira consulta.
“Eu costumo dizer para elas: na gravidez as transformações vão acontecer no seu corpo, você já se deu conta de que é mãe e (quanto ao) seu parceiro, é preciso que você bote ele para participar de todo o processo para que se dê conta de que já é pai também”, explica a assistente Orlene Jaques de Melo.
Foi durante a gravidez que Joice soube que Igor poderia nascer com microcefalia. “O médico falou que achava que a cabeça dele estava um pouco pequena, abaixo do normal. Tinha suspeita de microcefalia, mas não me falou das possibilidades, só me falou coisa ruim e me deixou assustada”, lamenta a adolescente.
“Mas o caso dele não é muito grave, levo ele para o fisioterapeuta, oftalmologista, otorrino e estimulação precoce. E repito em casa aqueles exercícios. Meu marido me dá apoio em tudo, faz os exercícios de estímulo precoce comigo. Sempre que pode, me acompanha no médico, me dá o maior apoio com o Igor”.
Assistência social e educação sexual
No IPERBA, a missão das assistentes sociais é orientar as mães para a importância do pré-natal abordando temas como amamentação, planejamento familiar e, em especial, no caso das mães adolescentes, prevenção de uma segunda gravidez indesejada.
Informação e educação para a sexualidade, participação em atividades de grupo para mães adolescentes e a oferta de métodos contraceptivos são as estratégias dos profissionais.
“A adolescente chega muito eufórica com a questão da maternidade — é uma coisa muito nova, muito mágica que o neném vai chegar —, ou chega um pouquinho apática e não quer conversar. E aí, a gente vai trabalhando a aceitação delas”, lembra Orlene.
Zika expôs fragilidade do sistema de saúde
Para Ana Oliveira, assistente social no instituto, a epidemia do vírus zika expôs várias fragilidades do sistema nacional de saúde, principalmente no que diz respeito à defesa e garantia do direito à saúde sexual e reprodutiva.
O surto da doença colocou em evidência outras falhas na resposta da rede de saúde — que continua fragmentada, obrigando, sobretudo as mães, a deslocamentos diários por longas distâncias para consultar diferentes especialistas.
“Essa questão do zika pegou os serviços desorganizados e os profissionais despreparados: nem todos os serviços dispõem de uma equipe completa e interdisciplinar para atender, e isso depende muito da disponibilidade pessoal de ler, estudar, conhecer outros serviços”, explica Ana.
“Como tratar de algo que eu não conheço? Como acompanhar uma situação que ainda não tinha sido verificada nem do ponto de vista da gestão nem do ponto de vista assistencial?”, acrescenta.
Na Bahia, foram confirmados 268 casos de microcefalia, de um total de 1.687 em todo o país. O IPERBA registrou a suspeita de possíveis quadros de microcefalia por infecção congênita de zika, tendo confirmado apenas nove até o momento. Três são filhos de mães adolescentes.
A prevenção da infecção pelo vírus zika entre gestantes é motivo de preocupação no instituto. Apesar de já ser considerada uma Doença Sexualmente Transmissível (DST), os profissionais de saúde ainda não estão informando mulheres sobre perigo da transmissão por via sexual, segundo profissionais do IPERBA.
“Precisamos de uma orientação, de uma nota técnica, de uma portaria, seja do que for, levando em consideração a diferença que existe entre as mulheres que são atendidas na questão de zika enquanto Doença Sexualmente Transmissível. E aí, vai para a questão dos direitos sexuais e reprodutivos, da proteção e da disponibilização de métodos contraceptivos”, diz Ana.
A assistente social alerta que as campanhas de prevenção do zika estão muito voltadas para o combate ao Aedes aegypti, sem se preocupar com as consequências da doença para o público feminino infectado.
Ana sonha com o dia em que os direitos sexuais e reprodutivos estarão, enfim, contemplados na agenda política. A assistente social faz um apelo aos movimentos de mulheres feministas e aos gestores da saúde para mudar uma “realidade dramática” e lembra que a camisinha feminina não está disponível nos postos de serviços de saúde.