Durante todo o ano de 2015, uma onda de violência e destruição fora de controle parece se irradiar do Município de Buriticupu, Estado do Maranhão. O centro nevrálgico da atividade madeireira na região, que já devastou praticamente a totalidade do território do Município, continua operante e em expansão para os municípios vizinhos. Como as áreas dedicadas à agropecuária já não possuem mais madeiras de alto valor econômico, o foco de suas atenções, agora, são as unidades de conservação e as terras indígenas. É o que denuncia uma nota pública de membros de 14 países da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) sobre a violência ambiental na localidade.
A situação geográfica privilegiada de Buriticupu, segundo a Repam, estaria motivando as invasões. São cerca de 20 serrarias instaladas, procurando madeira na Reserva Biológica do Gurupi e nas Terras Indígenas Arariboia, Caru e Awá, todas num raio de menos de 150 quilômetros.
Indígenas protestam contra incêndio criminosos no Maranhão.

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A atuação do Estado brasileiro frente a esta situação tem sido sempre fragmentada e incoerente, assinala a Rede. Em nível federal, o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis] e o ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] estariam conduzindo apenas operações pontuais de combate à retirada ilegal de madeira. “As mais estrondosas, com forte aparato de segurança, inclusive, com a presença maciça do exército brasileiro, fizeram a apreensão de equipamentos para derrubada das árvores e transporte das toras”.
Porém, a Repam avalia qued nada é feito para atingir o “motor econômico dessa organização criminosa”: as serrarias, que continuam em pleno funcionamento e despachando, todos os dias, dezenas de carretas carregadas de madeira extraída ilegalmente. “Essas ações de repressão pontual não resolvem o problema e servem para potencializar a raiva dos madeireiros, colocando em perigo quem defende a Reserva, sejam eles camponeses, ambientalistas ou funcionários públicos”.
Por outra parte o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] também nada estaria fazendo para que se cumpra a lei. Nem proporcionaria terras adequadas em outros lugares para que os pequenos camponeses não precisem viver na Reserva; nem desvenda a “falsidade” dos títulos de terras que os grandes proprietários ostentam, compram e vendem como se fossem válidos.
O Estado do Maranhão, “sempre escudado no argumento de que as áreas em conflito são de competência federal”, também, denuncia a Repam, manteria uma atitude dupla. Se, por um lado, a Secretaria de Direitos Humanos mostra preocupação com a situação de violência e diz estar em busca de alternativas econômicas para a extração ilegal de madeira, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) licenciou, somente em 2015, sete serrarias, no Município de Buriticupu, mesmo sem que existam áreas com plano de manejo florestal suficientes para justificarem nem uma ínfima parte da madeira comercializada.
A situação de violência chegou ao extremo no território da Reserva Biológica do Gurupi (ReBio), com o assassinato em 25/08 de Raimundo dos Santos, presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais da comunidade Brejinho Rio das Onças II. Santos foi assassinado com tiros e golpes de facão. Antes, ele já tinha registrado um boletim de ocorrência na Polícia Civil por ameaças. Sua esposa, Maria da Conceição, também foi alvejada com tiros, e presenciou a morte do seu companheiro, mas conseguiu escapar, gravemente ferida. Ela permaneceu internada por quase duas semanas no Hospital Municipal de Açailândia, sob escolta policial.
Na Terra Indígena Arariboia, a estratégia dos madeireiros foi tocar fogo na mata, para impedir que os Guajajara se organizassem em brigadas para combaterem o desmatamento. Um grupo isolado de cerca 80 indígenas Awá Guajá ficou totalmente cercado pelas chamas. Quando as equipes do Ibama chegaram para auxiliarem no controle do fogo, madeireiros armados os receberam a bala. Outras áreas indígenas da região continuam visadas e invadidas pelos madeireiros: a Alto Turiaçu (maior área indígena do Maranhão), Bacurizinho e a Guajajara-Canabrava.
Mapa com a área abrangida por madeireiras em terras indígenas de Buruticupu.

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Os episódios cada vez mais frequentes de confrontos armados com equipes de fiscalização, de vigilância e monitoramento, a que são submetidas as equipes dos órgãos ambientais; os constantes vazamentos das datas e planejamentos das operações de combate ao desmatamento; e os recentes assassinatos de lideranças camponesas e ambientalistas, permitem afirmar, segundo a Repam, que os madeireiros (principalmente os sediados em Buriticupu) formam uma extensa organização criminosa. Esta teria ramificações em vários municípios e agentes infiltrados em órgãos públicos (como já demonstrado em algumas operações policiais), sustentando milícias fortemente armadas.
Para a Rede, o Estado brasileiro perdeu totalmente o controle do território na Amazônia maranhense, a ponto de não conseguir mais nem adentrar determinadas áreas, sob controle dos grupos armados. Enquanto isso, os criminosos, com o apoio de parlamentares de todos os níveis de governo e de muitos prefeitos dos municípios afetados, continuam se tornando cada vez mais fortes e donos da situação.
Enquantp isso, o constante trânsito de caminhões carregados com toras de árvores centenárias, arrancadas dos últimos remanescentes da Floresta Amazônica do Maranhão, continuam sendo a paisagem urbana mais frequente em Buriticupu.
A Repam afirma que é urgente um plano articulado, permanente e eficaz de interdição das serrarias ilegais da região e do transporte de madeira, bem como um investimento consistente em alternativas produtivas, de manejo e proteção florestal.
Assinam a nota membros da Repam do Brasil, Colômbia, Peru, Guiana, Bolívia, Equador, Chile, Argentina, México, Espanha, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá e da Cidade do Vaticano.