Já há acordo para pôr fim ao mais longo conflito civil do mundo, com mais de 50 anos e 200 mil mortos.
Os porta-vozes das delegações que representam o Governo de Bogotá e a guerrilha das Forças Armadas revolucionárias da Colômbia (FARC) confirmaram a conclusão do processo negocial em Havana, com o fecho de um acordo histórico para pôr fim àquela que é a mais longa e mais sangrenta guerra civil no mundo. Um anúncio formal deveria acontecer ao fim do dia na capital cubana. O Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, tinha prevista uma declaração formal ao país, pela televisão.
Colombian President Juan Manuel Santos gestures during a joint press conference with former US president and 2002 Nobel peace prize laureate, Jimmy Carter (out of frame) after a meeting on January 12, 2013, at Narino Presidential Palace in Bogota, Colombia. Carter is on a two day visit to Bogota to assess the ongoing peace talks between Colombia's government and its largest leftist guerrilla group, the Revolutionary Armed Forces of Colombia (FARC). This meeting will take place before the government delegation's trip to Havana on Monday to resume talks with FARC's delegation and start the third round of peace negotiations. AFP PHOTO/Guillermo LEGARIA        (Photo credit should read GUILLERMO LEGARIA/AFP/Getty Images)

Colombian President Juan Manuel Santos

O início do conflito remonta à década de 1960. Nos últimos 50 anos, a violência interna matou mais de 200 mil pessoas, fez quase 80 mil desaparecidos e converteu cerca de 6,6 milhões em refugiados dentro do seu próprio país. Depois de quatro anos de negociações, sob mediação de Cuba e da Noruega, o Governo da Colômbia e as FARC estão finalmente prontas para ultrapassar décadas de ódio e desconfiança e subscrever um acordo de paz, dividido em seis capítulos – que além do fim do conflito, da reparação de danos às vítimas e do futuro político dos guerrilheiros, abrange também questões de desenvolvimento rural e combate ao narcotráfico.
“O dia está próximo: vamos a caminho da paz”, anunciou o Alto Comissariado da Paz, através do Twitter. “Temos as portas abertas para o importante anúncio do acordo final.#VamosPorLaPaz”, respondeu o líder revolucionário Rodrigo Londoño Echeverri, na mesma rede social. Segundo as delegações, todos os pontos contenciosos do pacto final para a paz estavam resolvidos, faltando apenas limar alguns aspectos “técnicos” na redação do acordo final. “Espero poder dar uma notícia muito importante, histórica, ao país ainda hoje”, disse o Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, durante uma visita a uma escola.
Santos e o comandante das FARC Timoleón Jiménez (ou Timochenko) já tinham feito História, em Junho, com a assinatura de um cessar-fogo bilateral, incondicional e definitivo, que não sendo ainda o ponto final no processo de paz, já deixava claro que este surgiria em breve. O compromisso, assumido pelas duas partes, decretou o fim de todas as hostilidades – do Estado contra a insurreição, que agora depõe armas e inicia um caminho de “normalização” até se converter numa organização política pacífica e legítima.
Conforme foi estabelecido em Junho, esse processo inicia-se a partir da assinatura do acordo final de paz: essa será a data oficial para o fim de todos os ataques e ofensivas militares, e também para o processo de entrega das armas das FARC à ONU (que posteriormente deverá fundi-las e construir de três monumentos, e de desminagem do território dominado pelos guerrilheiros.
Os pontos relativos à participação política, à reincorporação na vida civil e à aplicação da justiça aos guerrilheiros foram precisamente os últimos a ser acertados entre os negociadores de Havana – como diziam os observadores do processo, antes de conhecerem o texto definitivo do acordo, o anúncio implica a existência de uma lei de anistia, um tema sensível internamente tendo em conta as milhares de vítimas dos guerrilheiros. Um movimento liderado pelo antigo Presidente conservador Álvaro Uribe opõe-se firmemente à proposta de anistia.
Depois de décadas de conflito ideológico – as FARC são uma guerrilha de inspiração marxista, e na sua gênese combateram pela reforma agrária – o movimento armado estava agora fragmentado em dois blocos (um comando Sul e outro Ocidental) e convertido numa organização criminosa, cuja principal fonte de financiamento era o tráfico de droga e o resgate de reféns. A insurreição tinha sido empurrada pelo Exército colombiano para as zonas remotas de floresta do país, onde operam os cartéis do narcotráfico, a quem se associaram para obter receitas.

Próximos passos

Com o fim das negociações em Havana, o processo transita outra vez para território colombiano. Primeiro, o acordo final será avaliado pelo Supremo Tribunal, que terá de certificar a sua conformidade com a ordem jurídica e constitucional do país. Com o aval do Supremo, o Presidente Juan Manuel Santos pode então apresentar o tratado de paz à aprovação do Congresso, que entregará essa decisão ao povo, através da convocação de um referendo popular – a intenção do Governo é que essa consulta possa acontecer entre o final de Setembro e meados de Outubro, antes da discussão da reforma tributária e do novo orçamento.
Por se encontrarem fora do sistema, também as FARC conduzirão uma consulta aos seus membros (estima-se que sejam 7000 ou 8000), reunidos num congresso designado como Décima Conferência. A ordem de trabalhos, além da aprovação do acordo com o Estado, inclui a renúncia formal à insurreição armada e a reconversão do movimento numa organização política.

Como tudo começou

O assassinato, em 1948, de Jorge Eliecer Gaitán — que tinha sido presidente da câmara de Bogotá, ministro da Educação e do Trabalho e candidato do Partido Liberal à presidência nas eleições de 1950 — fez eclodir protestos populares nacionais que deram início a um período da História do país conhecido por La Violencia. Nunca se soube o motivo do crime. Era o candidato da facção mais à esquerda do seu partido. Na tarde em que foi morto, iria encontrar-se com um jovem revolucionário chamado Fidel Castro.
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Os tumultos que se seguiram a este assassinato definiram o futuro da Colômbia. Dezenas de milhares de pessoas morreram e muitos milhares pegaram em armas, organizando-se em grupos de combate ao Governo conservador, que em 49 suspende o Parlamento e é reeleito depois de outro candidato liberal desistir após mais um assassinato, o do seu irmão.
Em 1964, após um ataque a um acampamento desta força popular por parte do Exército, foram criadas as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), com o ideal social marxista na sua gênese. Começou então um conflito que durou 52 anos.
As FARC exigiram da oligarquia conservadora a partilha do poder, a reforma agrária — num país onde cinco milhões de pessoas foram desalojadas por milícias ao serviço dos rancheiros e por narcotraficantes. A guerrilha perdeu popularidade quando se voltou para os raptos, extorsão e criação de impostos sobre a produção de cocaína para financiar a sua luta armada.
As FARC raptaram fazendeiros, políticos e soldados, mantendo alguns dos seus prisioneiros longos anos em cativeiro na selva — um dos casos mais midiáticos foi o da candidata à presidência Ingrid Betancourt, libertada em 2008.