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Reformando o papado e restaurando a sinodalidade eclesiológica, o papa mostrou que ao menos uma família sai deste Sínodo mais livre e mais forte: a família da Igreja.
A opinião é de Alberto Melloni, historiador da Igreja italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 23-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O Sínodo se encaminha para a conclusão, e já é possível fazer um balanço histórico-teológico. O Sínodo distinguiu, com uma superficialidade impensável depois do Vaticano II, entre doutrina e pastoral, quase como se o princípio pastoral fosse o pacote de uma verdade pedregosa e não a medida da inteligência do coração do Evangelho.
Ele viu três episódios dolorosos: a renúncia ao celibato e à modéstia de um padre – que não fez carreira sozinho; o falso jornalismo sobre uma carta de cardeais – que têm o dever, antes do direito, de dizer ao papa o que pensam; e o câncer inventado – que lembra mais Il Vernacoliere [pasquim italiano] do que um complô.
E o Sínodo discutiu sobre famílias e relações; mas viu acontecer duas coisas imensamente importantes. Restituindo aos bispos o julgamento sobre a nulidade, Bergoglio não mudou o status dos divorciados, mas fez um silencioso e enorme ato de reforma do papado.
Desde o século XI, o pontífice sempre subtraiu potestade dos bispos e invocando motivos sólidos ou não. Paulo VI restitui algumas faculdades em obséquio ao Vaticano II. Nunca, há mil anos, um papa tinha cedido poderes por vontade própria.
Fazendo isso, Francisco disse aos Padres e Madres sinodais que a sua tarefa não é empurrar o papa para a direita ou para a esquerda, mas para dar um “salto à frente” na própria fidelidade ao Evangelho.
Além disso, simplesmente permanecendo sentado no Sínodo, ele fez outro ato de reforma enorme em relação à sinodalidade da Igreja. O progressismo teológico invocava nos anos 1970 a “democratização” da Igreja, esquecendo que a sinodalidade é muito mais do que democracia: porque apela não à soberania, mas à comunhão.
A sinodalidade permaneceu como um tabu na Igreja Católica por décadas. A Igreja da qual o papa é o primaz, a italiana, nunca fez um Sínodo, até agora. O próprio Sínodo dos bispos, apesar do nome, nunca foi nada mais do que um órgão consultivo, que entregava ao papa os próprios antagonismos, para que ele mediasse.
Francisco agiu no Sínodo fazendo dele, com normas inalteradas, um órgão de colegialidade efetiva e de porte quase conciliar. A colegialidade (realidade de direito divino para o catolicismo) se expressa no Concílio, mas não só. Francisco sabe por experiência que as assembleias episcopais expressam uma intuição de fé de autoridade; e sabe que a sinodalidade pode se expressar apenas em um clima de “parrésia” [a franqueza em se expressar].
E descobriu que é suficiente que o papa se sente junto a um órgão para que o sub Petro e o cum Petro deixem de ser cautelas limitativas e se tornem garantia de comunhão. Reformando o papado e restaurando a sinodalidade eclesiológica, o papa mostrou que ao menos uma família sai deste Sínodo mais livre e mais forte: a família da Igreja. As outras, como consequência.