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Uma das tantas contribuições do “efeito Francisco” é a descompaginação dos alinhamentos ideológicos dentro da Igreja e das suas divisões. O arcebispo de Ferrara é um daqueles bispos para os quais o catolicismo deve ser compreendido, anunciado e aplicado em termos ideológicos.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo e diretor do Institute for Catholicism and Citizenship, na University of St. Thomas, nos EUA. O artigo foi publicado porL’HuffingtonPost, 26-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo Faggioli, “o que foi dito e feito porDom Negri em Ferrara em menos de três anos lança luz sobre as qualidades humanas e intelectuais de muitos dos bispos nomeados por João Paulo II e Bento XVI. Esse é o principal problema da Igreja Católica hoje”.
Eis o texto.
Em cada país, há bispos que representam uma clara oposição ao Papa Francisco. Na Itália, o caso de Dom Luigi Negri, arcebispo de Ferrara-Comacchio desde dezembro de 2012 (depois de sete anos de episcopado em San Marino), já era conhecido dos adeptos aos trabalhos e especialmente aos cidadãos e diocesanos de Ferrara (entre os quais se encontra este que escreve, embora residente nos EUA desde 2008).
Dom Negri fez-se conhecer por um estilo de relação invariavelmente agressivo e irritadiço com a cidade e com a diocese, e por decisões no mínimo bizarras sobre a mensagem a ser enviada à cidade sobre questões importantes como o casamento e a família (refiro-me ao convite como palestrante em um congresso diocesano dirigido a Mario Adinolfi).
O que foi dito e feito por Dom Negri em Ferrara em menos de três anos lança luz sobre as qualidades humanas e intelectuais de muitos dos bispos nomeados por João Paulo II e Bento XVI. Esse é o principal problema da Igreja Católica hoje.
O caso estourou com um relato publicado pelo jornal Il Fatto Quotidiano no dia 25 de novembro, segundo o qual Dom Negri teria feito, no telefone e no trem, diante de testemunhas, afirmações graves sobre a pessoa do papa e as decisões por ele tomadas (as recentes nomeações episcopais em Bolonha e Palermo).
Não se sabe, no momento, quanto daquilo que foi relatado pelo Il Fatto Quotidiano foi efetivamente dito pelo arcebispo de Ferrara. O fato, porém, é que a desmentida de Dom Negri não desmente, mas, ao contrário, parece quase confirmar, no momento em que pede um encontro com o Papa Francisco.
E outro fato é que o Comunhão e Libertação publicou nessa quinta-feira um comunicado em que claramente se distancia de Dom Negri, desde sempre próximo do movimento (o comunicado afirma que, desde 2005, Negri não tem mais nenhum cargo no Comunhão e Libertação; o fato é que, na diocese de Ferrara Dom Negri foi muito atento aoComunhão e Libertação).
O caso de Dom Negri é importante por alguns motivos que vão além da diocese de Ferrara ou da Itália. O primeiro motivo é que esse caso diz algo sobre os movimentos internos de oposição ao Papa Francisco. Desde o momento da eleição de Francisco, uma parte consistente do episcopado mundial e italiano teve que se submeter a um processo de recepção e interpretação do novo papa. Isso acontece a cada mudança de pontificado.
Mas a passagem do bastão entre Bento XVI e Francisco foi substancialmente diferente dos anteriores: não só porqueBento XVI deixava o papado por renúncia ao ofício e ia viver no Vaticano não muito longe de Francisco, mas também porque o episcopado mundial – e especialmente italiano – foi moldado por João Paulo II e por Bento XVI, e muitos bispos veem esse jesuíta latino-americano como um papa em boa parte estranho à cultura do catolicismo de Wojtyla eRatzinger.
Ora, é evidente que uma oposição a Francisco existe e vai continuar existindo, mas o caso Negri é um dos casos em que é claro que essa oposição está se radicalizando e perdendo aquilo que, em teologia, se chama de sensus Ecclesiae – um sentimento de realidade e de responsabilidade em relação a toda a Igreja.
Viu-se isso no Sínodo dos bispos de outubro passado: as iniciativas não regulamentares dos bispos poloneses, acarta (depois desmentida por alguns) dos 13 cardeais ao papa, a falsa notícia da doença do papa não impediram queFrancisco levasse ao seu destino o Sínodo e o documento final aprovado em todos os seus parágrafos pela maioria qualificada dos bispos.
A oposição a Francisco sai cada vez mais do jogo (para usar um termo do futebol). Jorge Mario Bergoglio é teologicamente centrista, e a oposição a Francisco mostra o seu rosto extremista e ideológico.
O segundo motivo tem a ver com a posição de Negri dentro da Igreja italiana, as relações com o Comunhão e Libertação e com o discurso do Papa Francisco em Florença no congresso da Igreja italiana no dia 10 de novembro passado.
Francisco pediu que os bispos sejam pastores e redefiniu o papel das elites eclesiais e, em particular, dos movimentos como o Comunhão e Libertação, que, na Igreja italiana de João Paulo II e de Bento XVI, desempenharam um papel particular.
Francisco é por uma Igreja do povo e não das elites – e as elites conhecidas como “movimentos eclesiais” estão indo ao encontro de uma fase de reelaboração da sua mensagem. As mensagens enviadas por Francisco aos vários movimentos (Comunhão e Libertação, neocatecumenais, escoteiros católicos etc.) nesses dois anos e meio de pontificado são muito claras quanto à necessidade de se repensar como contribuição para a unidade da Igreja e não como elemento de divisão.
O comunicado do Comunhão e Libertação dessa quinta-feira, por isso, não deve ser lido tanto como um cínico reconhecimento da queda em desgraça de um dos seus bispos e ponto de referência na Itália, mas como um sintoma de um debate interno ao Comunhão e Libertação, entre as suas várias almas teológicas e políticas.
Uma das tantas contribuições do “efeito Francisco” é a descompaginação dos alinhamentos ideológicos dentro da Igreja e das suas divisões. O arcebispo de Ferrara é um daqueles bispos para os quais o catolicismo deve ser compreendido, anunciado e aplicado em termos ideológicos.
Não é por acaso que Dom Negri se tornou o emblema de desconforto entre as elites ideologizadas que ascenderam a postos de responsabilidade na Igreja Católica que, agora, Francisco tem que governar.